A fada do monte

| Publicado por | Categorias: Poesia livre
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António era pastor,
Vinte cabras ele tinha
Mas quis dar uma à vizinha.

Com dezanove ficou,
Vai ao pasto devagar
As cabras não vai pastar!

Procurava a donzela
A quem a cabra ofereceu,
Mas ela desapareceu.

Perguntou ao sapateiro:
Viste a morena à janela?
Na casa grande amarela?

O sapateiro tremeu.
Na casa não há ninguém,
E já nem janelas tem.

Morou lá mulher formosa,
A donzela malfadada,
A casa está assombrada.

Seu amor a aprisionou,
Roído pelo ciúme;
Há quem lhe oiça o queixume.

Que queixume homem de Deus?
Se a estou a namorar?
Com ela me vou casar!?

Um dia ela perdeu
O seu rebanho no monte,
Disse-me ela junto à fonte.

Dei-lhe então a cabra branca,
Para ela se alegrar
Assim parou de chorar.

Jovem pastor o que viste,
Foi só uma aparição,
Mas não te assustes não!

Dizem que a água da fonte,
São lágrimas da donzela,
Que canta o triste fim dela.

Era uma alegre pastora,
Até que um cavaleiro
A meteu no cativeiro.

Vindo da guerra, formoso!
Por ela se apaixonou,
E no quarto a trancou.

Nunca mais ninguém a viu.
Diz o povo que aparece,
Quando precisa de prece.

E a cabra que lhe dei?
Onde está ela coitada?
Deve andar esfomeada.

Ela vai aparecer.
Procura por todo o monte,
E também perto da fonte.

O bom pastor cabisbaixo,
Pelo pastio andava,
Já nem a gaita tocava.

Mal dormia pela noite,
E assim cheio de dor
Pensava no seu amor.

Passava o tempo triste!
A sua fé minguava,
Mas de nada se queixava.

Vendeu na feira o rebanho,
Já não se importa com nada,
Só pensa na sua amada.

E o povo segredava:
O rapaz anda doente
De tanta angústia que sente!

Já não havia maneira,
De António se alegrar!
Afinal ia casar!…

Era nisso que António
Pensava de noite e dia,
No amor que o afligia.

Tinha beijado um fantasma?
E os abraços que lhe deu?
Ah! Não! Ela não morreu!

Louco? Estaria louco?
Lembra-se que a sua amada,
Estava sempre gelada!…

Nunca estranhou de mais;
Namoravam junto ao rio
Podia pois, ser do frio.

Um dia pôs-lhe nos ombros,
Um lenço azul de xadrez,
Que a sua mãe lhe fez.

Como lhe assentou tão bem!
Quando vinha à janela,
Trazia o lenço com ela.

Recordando tristemente,
Junto ao rio, o seu passado,
Viu um vulto espelhado!…

De repente as águas mansas,
Se ergueram como um castelo,
Exibindo um rosto belo.

Era ela! Seu amor!
Ternamente sussurrava,
Enquanto se penteava.

Bom António! Vai à fonte;
Não sou fantasma, sou fada,
E só por ti fui amada.

Tremendo emocionado,
Subiu ao monte a correr,
O que iria acontecer?

Sentou-se à beira da fonte,
Mas nada aconteceu
Cansado adormeceu.

Abriu os olhos, olhou…
Tudo era tão estranho!…
Havia perto um rebanho.

E a fonte? Onde está ela?
Transformou-se num jardim,
Que cheirava a alecrim.

Meu Deus! Exclamou António!
Vou descansar! Estou louco!
Nisto ouviu um eco rouco.

Era a sua linda cabra,
Que dera à sua amada,
Amada que agora é fada.

Oh! Minha cabra branquinha,
De quem são esses cabritos?
Tão brancos e tão bonitos?

E a linda cabra branca,
Que conhecia o caminho,
Foi indo devagarinho.

António com alegria,
Volta a ser um bom cabreiro,
Vai contar ao sapateiro…

Tenho de novo um rebanho!
Vinte animais como tinha,
Quando dei um à vizinha!

Falamos depois António!
Alguém me está a chamar,
Vou minha casa alugar.

Tenho outra na cidade;
Que no monte a vida é boa,
Mas eu adoro Lisboa.

É um casal e a filha,
Deles é a casa assombrada,
Segundo sei foi herdada.

Assombrada já não é!
António tanto rezou,
Que a donzela libertou!

Vão fazer obras por lá,
Depois alguém que te conte;
Vão morar aqui no monte.

E certo dia o cabreiro,
Ao passar junto à fachada
Viu a janela fechada.

Anda cá! Alguém chamou…
Ao ouvir a voz tremeu,
De susto quase morreu!

Minha vida o que é isto?
Era ela? Não podia…
Ai! Tudo se repetia!

Ela tão bela sorrindo,
Naquela mesma janela,
Da casa grande amarela.

Perde a voz, balança e cai.
Ela o vai socorrer,
E ele começa a tremer.

Chega o pai da rapariga,
Convida-o a entrar
Para se recuperar.

Mais branco que a cor da cal,
Ele olha para o sofá,
E o lenço xadrez está lá!

Baralhado, tiritando,
Não tira os olhos de Aurora
Que sorri enquanto cora!

Aqui morou minha tia.
Mas que tia era a dela?!
Sou parecida com ela!

Parecida? É igual!…
Chama-se Aurora também!
Estou maluco, minha mãe!

E o lenço azul acolá?
Como foi ali parar?
Alguém me pode contar?

Ninguém soube responder,
Nenhum dos três o sabia,
Para aumentar a agonia!

António lá se acalmou.
E fica a saber então,
Que a fada tem um irmão.

Marcelo era pequeno,
Quando a irmã se mudou
Para o monte e lá ficou.

Logo ali se pastora,
Acabou sacrificada,
No quarto aprisionada.

Um cheiro a alecrim,
Toda a sala perfumava,
Era a fada que lá estava!

António olhou Aurora,
Por ela se apaixonou,
Feliz a moça o beijou.

Marcelo muito feliz,
Por ver a filha contente,
Chama Raquel docemente.

Felizes os dois casais,
Combinam um bom jantar
Os jovens vão-se casar.

Nunca António comentou,
Nada sobre assombração,
Fada ou aparição.

É um tesouro que guarda,
Só ele a viu e amou,
Mas a saudade ficou.

Aos domingos leva Aurora
A passear pelo monte,
No jardim onde era a fonte.

Deus fadou-o com três filhas,
Tão lindas como a donzela
Da casa grande amarela.

 

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